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De como Judas é importante na constituição de uma narração testamental

JUDAS - Pra quem tem como arquétipo ser Cristo, ou ter Jesus como parâmetro de um ser humano bondoso que quer dar ao mundo um princípio, ou princípios que não estão atrelados ao dinheiro ou à trocas abstratas, como o capital. Judas seria um traidor porque virou o rosto para Jesus, também, já depois de tê-lo caguetado.

Nos morros e periferias o Judas, caguete, é aquele que tem proximidade com a polícia. Há códigos de conduta bastante profundos no crime organizado, ou no crime desorganizado como o é em grande parte dos casos. Aquele Miguel que dedura todos os participantes da organização é o maior dos traidores na linhagem humana - e não é visto como herói nem mesmo pela polícia depois.

Se ele não ganha nada, nem de um lado nem do outro, contando ao Estado onde estão e quem são os contraventores, porque ele ainda faz isso? Medo? Isso - Judas é um medroso. Ele vira o rosto porque não quer olhar para aquilo que ele mesmo criou - a situação nova proporcionada por um ato seu. Ele não quer mais fazer parte, quer desfazer o que fez, se arrepende, mas ainda sim é sacrificado por todos. O Judas é essencial para a continuação da narração do testamento. Ele é um personagem que vira, que cria o novo clímax, sem ele não haveria o final da narração - o conflito entre o Estado das coisas e o estado paralelo que se criava.

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