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Don't Look Up - Não olhe pra cima (2021)


Quem não gostou do filme, em particular da história do filme - do enredo -, é um negacionista. Disso não resta mais nenhuma dúvida. Mas, qual será a ordem desse negacionismo que nos cerca? Esse Bolsonaro-trumpismo influente e tão ameaçador que faria, nessa historinha de filme cômico, as democracias e os próprios democratas (se é que há democratas reais no filme) aderirem ao fim do mundo? Sim, se você não percebeu ainda, os negacionistas pretendem o fim do mundo.

Seja de um mundo esférico, por uma defesa do mundo plano, seja de um mundo pleno (com E) e vivido pelas multiplicidades de pessoas diferentes. Esses negacionistas que nos atordoam a toda hora na internet, e que um dia foram chamados de HATERS, hoje estão nas famílias mais democráticas de nossas Américas, são negadores tal como aquela negatividade hegeliana que se travestiu ao longo dos tempos com a terminologia "crítica". Está, portanto, aberta a porta dos infernos, a chamada caixa de Pandora, um baú da infelicidade, da melancolia, da perversão, do suicídio, do mal. Os que negam, hoje, querem na verdade ser os que têm status de cientista.

Mas veja o personagem encarnado por Leonardo di Caprio, já comparado com o nosso Átila Iamarino - aquele cientista que, convicto, alerta a todos e todas nas mídias corrompidas pela espectatorialidade vil a respeito desse fim do mundo que está próximo. Profeta, sim, mas com dados. Os dados (datas) estão demonstrando o futuro próximo: que é o No Future (o sem futuro). Os dados demonstram, e não os logarítimos. Mark Rylance, um tipo Steve Jobs digno de Oscar pela interpretação caricatural - pois as premiações da indústria não estão mais nem aí pra sutileza -, seria também um profeta, um visionário que, por ter compreendido a forma mais efetiva de se captar os sentimentos e os caminhos que serão escolhidos pelos indivíduos, estaria no rol de pessoas sagradas, tais como os políticos, filhos de políticos e apresentadores de TV. A luta dramática de deuses do novo Olimpo, esse palco que as novas mídias e o virtual teria criado. 

Se não há futuro próximo, também não haveria o que se temer - diz o negacionismo. Por que ter medo de uma gripezinha? Ou: "não olhe pra cima!" Ou: "não veja o evidente!" pois o futuro não existe de nenhuma maneira, a não ser aquele do cerco individual. Aquele que diz respeito unicamente à sua privada vida. E a sua vida privada é aquela que se manifesta de maneira performática, é uma vida que lhe permite ganhos caso você se adeque a uma performance da calma diante de seja qual for o fim do mundo que lhe apresente. Enfim, você está sendo filmado: sorria. 

Há diversas falhas no filme, mas elas não se apresentam na perspectiva macro política. Este olhar pretensioso como se realmente existisse uma macro política midiática, ainda que em fase de testes, é mais preciso que as caracterizações psicológicas dos personagens. Hoje em dia, não temos mais a lupa que deixa preciso o olhar para essa política geral, perdemos o tato pra isso. Nesse caso, o filme acaba, em sua perspectiva fria diante da catástrofe real, nos trazendo um instrumento a mais para nos defendermos dos parasitas. Os parasitas da Terra, que criaram todos esses aparatos tecnológicos tão avançados para fugir dela seja qual for a ameaça ao planeta.

Fique esperto: você não é um deles. Elon Musk e Jeff Bezos nos deixam isso muito claro.

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