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Homenagem a Igmar Bergman

Sommaren med Monika (1953)

Mais um filme que a tradução não consegue captar em sua falta de consistência avaliativa. Bergman certamente não era um daqueles cineastas que fechava seus filmes em adjetivos, qualidades pessoais - ele não achava seus personagens, deixava-os viver por si. O filme chega no Brasil com o nome de "O desejo de Mônica". Mas não é pior que o título em inglês: Summer With Monika - The story of a bad girl.

O verão com Mônika fica então já classificado como a história de uma moça diferente, difícil, má, a principal. Mas quem vê o filme percebe que esses títulos são apenas mais uma das coisas infantis e bobas da indústria cinematográfica - entidade suprema das idiotices. Mônika é uma personagem que nos cativa em sua ingenuidade, e, porque não, seu poder é feminista.

Em 1953 um nu cinematográfico causava muito furor dos mais tradicionalistas. Em uma "história de amor" como nesse filme, era perdoado. Aliás, é difícil encarar com tanta precisão, na falta de precisão, uma história de amor como Bergman fez com Mônika... O devir dos acontecimentos em sua fugacidade moderna e a não estereotipação dos sentimentos, a felicidade que aparece em súbitos espaços de tempos e as adversidades do mundo que brigam contra a vida a dois - ainda mais quando se é adolescente. Tudo isso junto à maestria do diretor em lidar com a psicologia de casais como se eles estivessem querendo sair da tela e chegar ao nosso divã do dia a dia.

A influência do neorealismo de um Rosselini - até mesmo em sua religiosidade, é clara. Aquelas pessoas que vemos na tela somos nós, e elas querem isso - mais: querem nos congregar em busca da compreensão do ser humano. Uma angústia, melancolia própria daquele que almeja algo melhor do que o mundo em sua crueza - algo que ficou sendo sueco, por conta de Bergman.

Bergman se vai deixando filmes que ainda hão de ser compreendidos, tal como seus personagens. Assim são os que se destacam da linha mediana das qualidades dadas por críticos, como esse que escreve aqui. O filme vive por si, e por Bergman nós vemos isso mais do que em nenhum outro de nossa época.

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