Pular para o conteúdo principal

Homenagem a Michelangelo Antonioni

Zabriskie Point (1970)

Se não é, ainda vai ser considerado um dos mais completos diretores do cinema moderno. E, se não é, ainda vai ser um dos filmes mais trágicos da modernidade. Apesar do herói de Zabriskie Point não ser tão moderno assim - ele é um herói à moda antiga, da maneira que hollywood deseja sempre - à la James Dean.

O negócio de Antonioni é mundial - o cinema dele comunica não só pra um pequeno grupo de pessoas de uma tribo vermelho e azul, com estrelinhas. Ele já havia conhecido o cinema japonês antes de qualquer outro brincalhão de hoje em dia. Antonioni era irônico, sim, mas nunca um paspalho que se autodepreciava com espetáculos da mídia. Na verdade a mídia pra ele era o que o nome quer dizer - um meio.

Esse meio passa não só sentimentos, mas o mundo inteiro. Passa não só o humano, mas o que cria o humano. Zabriskie Point, não por acaso, tem a trilha de Pink Floyd - banda inglesa de uma vanguarda tardia, ou revisitada. Se vemos vida no vale da morte, nos EUA, vemos vida no que parece morto hoje, também. O cinema de Antonioni parece tirar vida de onde não existe como haver vida. Exatamente por seu olhar crítico à sociedade industrial e de consumo, ou por seu olhar além do horizonte. O que a câmera vê não é o que vemos - não é nunca o que é mostrado o principal a ser visto.

Podemos até dizer que ele fazia filmes "arquiteturais", que criava climas, atmosferas, que ele era mestre em mostrar paisagens... Mas é reduzir seu trabalho a uma classificação da, por ele, tão criticada indústria. Antonioni era um militante da imagem que parecia perdida, e por mostrá-la perdida ele trazia a importância de saber viver presente na inconstância, na não-linearidade de nossa vida pós-tudo. A perda que o mundo tem, com sua morte, é bem maior que qualquer filme dele possa passar.

Da Itália quase surreal para os filmes pragmáticos da Inglaterra, ou dos EUA. Michelangelo Antonioni ainda merece, como Bergman, uma importância maior que a que lhe é dada. Uma pena que só após a morte que os olhares começam a ver a totalidade da obra de artistas de tamanha sensibilidade.

Logo abaixo um trecho do final de Zabriskie Point, filme apologia da contracultura. De como é bonito ver tudo ir pelos ares:


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Memória, de Apichatpong Weeraserhakul

  Uma coisa é certa em filmes de Apichatpong: você não se vê no tempo unicamente cronológico. Esse tempo-outro, mais relatado pela indistinção entre o que chamamos de passado, presente ou futuro, nos coloca em um questionamento direto sobre nossa presença no mundo atual. Memória, seu novo tratado (insisto em não chamar apenas de filme uma tese contínua), procura nos evidenciar aquela indistinção. Mas o tempo indistinto, na memória de uma colonizadora - vivida por Tilda Swinton -, mente o tempo todo. Se realiza na ficção, numa espécie de loucura. Por que isso se mostra dessa maneira? Provavelmente porque a racionalidade, o “colocar tudo nos eixos” é alguma coisa muito pouco elucidativa. Esse uso do racional para mostrar o que queremos, ou o que parece ser o “real” já se encontra há muito tempo em crise. Na memória, nós vemos uma profunda escavação arqueológica. Ela nos coloca em questão, como pessoas viventes em uma narração ocidental. Essa memória é capaz de unir a Tailândia com a ...

Guerra Conjugal - Joaquim Pedro de Andrade - 1975

Joaquim Pedro teve sempre que ser muito tímido para que sua imposição artística não tivesse presença autoral , como no amigo que ele sempre admirou, Glauber. Em uma comédia de costumes da classe média brasileira, só reatando as pazes com Nelson Rodrigues, mas ao jeito de Dalton Trevisan - exagerando no pessimismo, domesticando os planos em uma falta de sincronia entre o mundo velho e o mundo novo. Não só Joaquim Pedro seguiu, trilhou, abriu esse caminho no cinema novo, mas principalmente Arnaldo Jabôr, onde o drama de costumes chegou a seu ápice em uma agudez sátira. A briga é com o uso do melodrama com fins absolutos de mercado, e com o sentimento carioca meio bobo, de que há romantismo de folhetim em vida. O brega forte desse popular exagerado demonstra o que o avanço econômico nos proporciona, na mídia. Nesse ambiente de cultura de massa dominante surge o filme Guerra Conjugal, de Joaquim Pedro. A mediocridade e decadência chegam a doer de tanta verossimilhança, nesse filme. É um re...

A Última Floresta - Luis Bolognesi e Davi Kopenawa

A imersão de Bolognesi nos temas indígenas, em seus últimos filmes, demonstra que quando o cinema dá atenção a isso, algo se revela. Parece ser um caminho sem volta. Uma estrada sem fim. Mostrar, em imagem, os temas indígenas, tem força de revelação, sim - mas também de reativação com discussões antigas. O que faz aquele que se chama de "indígena" um caso particular. Não se fala de uma humanidade, de um humanismo nos termos que antes das colonizações de falou. Estamos diante de uma questão, um dia chamada "indígena". Estamos diante, portanto, de algumas questões que envolvem afetos e sentimentos que nos forjam como pessoas ligadas ao subjetivo indiretamente violentado e assassinado pelo contato interétnico das interiorizações do país. Davi Kopenawa tem sido um dos maiores lutadores, desde os conflitos com garimpeiros nos tempos de Serra Pelada, e também, como não dizer, na briga que ainda se vale de gritos e falsas informações sobre as terras yanomami entre Roraima ...