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Jim Jarmusch em certa entrevista diz que gosta de ficcionalizar os momentos "entre acontecimentos". Vê-se isso em alguns de seus filmes. Paterson, um personagem, um poeta, um trabalhador, um marido, um amigo, vive entre um passado militar e um futuro que podemos dizer "espírito livre". Dá pra fazer uma certa analogia entre seu nome, o nome de seu condado-cidade, o nome de seu ônibus (local de trabalho entre-lugares), e uma filiação a um padrão de vida comum. Uma espécie de analogia do extremo oriente, que liga palavras e cria uma nova. Pater - Son. Pattern(padrão) - Son(filho). Sabe-se que os japoneses dizem assim de pessoas que se ligam a tal ou tal antepassado.

Os antepassados de Paterson, vivido pelo grande ator Adam Drive (que realmente serviu a marinha, pelo que consta nas suas biografias rasteiras da net) seriam poetas, como Wiliam Carlos Wiliams, que tem um livro com o mesmo nome da cidade e seu "filho", o motorista. Ou como Allen Ginsberg, também dessa parte de New Jersey. A filiação é pela arte, portanto. Pela poesia.

Adam Drive se encaixa perfeitamente no personagem de Jim Jarmursch, que, como se sabe, gostava de escolher "não-atores", ou mesmo "anti-atores" para os papeis de seus filmes. Sua conexão certamente é, também, com um cinema feito pelo extremo oriente, principalmente na escola japonesa. Longos planos,  muito fixos, detalhes, associações diretas com a dimensão temporal. O anti-ator seria, nos casos jarmuschianos, um mensageiro.

O tempo, enfim, como revelador de uma conexão quase-filosófica com a vida. Padrões que encaixam as vidas pequenas de pessoas comuns - um motorista de ônibus que gosta de poesia, não se conectaria com a realidade branca do local: branca, alva, hegemônica, dominante. Até conversa rapidamente com uma poetisa criança, mas, ao fim, a revelação evidente: um motorista de ônibus poeta parece ridículo, ou engraçado, para esse mundo branco.

Seria realmente difícil encarar um trabalhador engajado em poesia, em uma realidade branca do comodismo. Muito mais difícil este poeta, sem estímulos, continuar sua batalha consigo mesmo, na escolha pelo bem-viver do olhar que se espanta todos os dias - nos padrões impostos.

Evito com certa insistência julgar os filmes, por aqui, com palavras enfáticas. Mas, é necessário dizer que este filme é genial, dentro de um contexto de cinema realista (ou seria neo neorealista?) norte-americano.

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