Pular para o conteúdo principal

Trouble Every Day - Claire Denis - 2001

A exposição de tempos diferentes em frente à câmera nos deixa ou perplexos, ou admirados. Essa última opção, a contemplação das coisas, desde a busca pela fotogenia de Jean Epstein o cinema adotou como parâmetro. Não é só um critério para um belo filme, mas para uma boa sugestão para movimentar a vida.

Alguns cineastas captam uma beleza contemporânea na violência. Não é o caso de Claire Denis. Mesmo a temática sendo, talvez, a violência e perversão atual, a diretora veste essa digressão com cuidado. Não se trata só dela ser sensível, ter sensibilidade nos cortes e nas cores. Trata-se de levar ao écran uma dose pequena de uma realidade que pulsa, mas ninguém quer perceber.

Ninguém percebe porque vivemos num mar de rosas infantil, no qual a mídia impera com imagens bonitinhas e ritmos de parque de diversão. Na qual a força maior é fazer rir das palhaçadas, ou dos absurdos do espetáculo, show de nossos aproximadamente 80 anos de vida. Lembremos de um Alfred Jarry, um dos mais esquisitos cronistas, ao mesmo tempo dramaturgos que já passaram pela terra - ele mesmo já falava da antropofagia como estética.

No filme Trouble Every Day não sentimos o experimentalismo maneirista de Irreversível. A influência não é dos Yankees, mas do extremo oriente. Tal como fazem Jim Jarmusch, Gus Van Sant, e talvez um David Lynch. É difícil captar o ritmo de uma hiper modernidade sem se remeter à experienciação oriental. E Denis, mais do que uma adulta no cinema, é extremamente criteriosa ao se expressar. Peguemos o herói do filme, Vicente Gallo, interpretando o Shane... Ironia ao nos fazer identificar com um salvador que vem das américas, recém casado, próspero, que acaba purgando o espectador do mal - mas é também ele um demônio "doente".

É só vermos o filme com a calma que ele nos proporciona que entramos em sua sutileza irônica. Essa tal "doença" é absolutamente inverossímil, ao mesmo tempo comovedora. Tal é o poder do audiovisual em manipular nossos cérebros com pinças.

Comentários

TT disse…
estou a começar um fórum que abrange várias árias, passando pelo cinema, arquitectura, literatura e música, para já ainda só está aberta a zona da música, com álbuns para baixar, de qualquer maneira é minha intenção dinamizar também o fórum de cinema, eu próprio tenho um blog sobre cinema, que se encontra no entanto em "stand-by" há algum tempo, mas pretendo voltar às críticas com este fórum, o que te vinha pedir, e que não queria fazer por aqui mas n encontrei o teu email, era convidar-te a participares no fórum, onde poderemos discutir abertamente todos os assuntos relacionados com a sétima arte, poderia ser encarado como um universo paralelo em relação a este blog, em que poderias abordar outro tipo de filmes que ainda não te tenha apetecido abordar ou aches q n se enquadram neste blog, não sei, estou só a especular, mas fico a contar com uma resposta tua,
o endereço do fórum é http://conversasvadias.informe.com

abraço

Postagens mais visitadas deste blog

A Última Floresta - Luis Bolognesi e Davi Kopenawa

A imersão de Bolognesi nos temas indígenas, em seus últimos filmes, demonstra que quando o cinema dá atenção a isso, algo se revela. Parece ser um caminho sem volta. Uma estrada sem fim. Mostrar, em imagem, os temas indígenas, tem força de revelação, sim - mas também de reativação com discussões antigas. O que faz aquele que se chama de "indígena" um caso particular. Não se fala de uma humanidade, de um humanismo nos termos que antes das colonizações de falou. Estamos diante de uma questão, um dia chamada "indígena". Estamos diante, portanto, de algumas questões que envolvem afetos e sentimentos que nos forjam como pessoas ligadas ao subjetivo indiretamente violentado e assassinado pelo contato interétnico das interiorizações do país. Davi Kopenawa tem sido um dos maiores lutadores, desde os conflitos com garimpeiros nos tempos de Serra Pelada, e também, como não dizer, na briga que ainda se vale de gritos e falsas informações sobre as terras yanomami entre Roraima ...

Don't Look Up - Não olhe pra cima (2021)

Quem não gostou do filme, em particular da história do filme - do enredo -, é um negacionista. Disso não resta mais nenhuma dúvida. Mas, qual será a ordem desse negacionismo que nos cerca? Esse Bolsonaro-trumpismo influente e tão ameaçador que faria, nessa historinha de filme cômico, as democracias e os próprios democratas (se é que há democratas reais no filme) aderirem ao fim do mundo? Sim, se você não percebeu ainda, os negacionistas pretendem o fim do mundo. Seja de um mundo esférico, por uma defesa do mundo plano, seja de um mundo pleno (com E) e vivido pelas multiplicidades de pessoas diferentes. Esses negacionistas que nos atordoam a toda hora na internet, e que um dia foram chamados de HATERS, hoje estão nas famílias mais democráticas de nossas Américas, são negadores tal como aquela negatividade hegeliana que se travestiu ao longo dos tempos com a terminologia "crítica". Está, portanto, aberta a porta dos infernos, a chamada caixa de Pandora, um baú da infelicidade, ...
Jim Jarmusch em certa entrevista diz que gosta de ficcionalizar os momentos "entre acontecimentos". Vê-se isso em alguns de seus filmes. Paterson, um personagem, um poeta, um trabalhador, um marido, um amigo, vive entre um passado militar e um futuro que podemos dizer "espírito livre". Dá pra fazer uma certa analogia entre seu nome, o nome de seu condado-cidade, o nome de seu ônibus (local de trabalho entre-lugares), e uma filiação a um padrão de vida comum. Uma espécie de analogia do extremo oriente, que liga palavras e cria uma nova. Pater - Son. Pattern(padrão) - Son(filho). Sabe-se que os japoneses dizem assim de pessoas que se ligam a tal ou tal antepassado. Os antepassados de Paterson, vivido pelo grande ator Adam Drive (que realmente serviu a marinha, pelo que consta nas suas biografias rasteiras da net) seriam poetas, como Wiliam Carlos Wiliams, que tem um livro com o mesmo nome da cidade e seu "filho", o motorista. Ou como Allen Ginsberg, também d...