“Ego sum, ego existo”, escrevia Descartes pondo em relevo este Ego que permanecerá o fundamento de toda filosofia racionalista ou empirista, através das mônadas de Leibniz, a sensação dos empiristas, o eu de Fichte e até mesmo os atributos radicalmente separados uns dos outros de Espinosa; fundamento presente ainda em nossos dias, quando lemos numa gramática ginasiana, como se fosse óbvia, a afirmação: “Eu não tem plural. Nós é eu e tu”. Nessa perspectiva, sendo o Ego o primeiro dado fundamental, o ponto de partida, o problema das relações entre os homens, quando se põe, torna-se naturalmente o problema do “Outro”. Os “outros” homens são assimilados à realidade física e sensível. Não são mais do que seres que vejo e ouço, como vejo uma pedra que cai e ouço sua queda. Não é de admirar a constatação que, se há, com efeito, uma história exterior racionalista ou empírica, não há lugar, no quadro dessas duas perspectivas, para uma filosofia da história. É porque para elas o passado é radical e meramente passado, não possuindo qualquer importância existencial, nem para o presente nem para o futuro.
O pensamento dialético, ao contrário, começa com uma frase talvez extremada, mas que é quase um manifesto: a proclamação da mudança radical que acaba de operar-se no pensamento filosófico. Ao ego de Montaigne e de Descartes, Pascal responde: “o eu é detestável”; de Hegel a Marx os “outros” homens se tornam, cada vez mais, não seres que vejo e ouço, mas aqueles com os quais ajo em comum. Não se situam mais no lado objeto, mas do lado sujeito do conhecimento e da ação. O “Nós” devém assim a realidade fundamental em relação à qual o “eu” é posterior e derivado. Nos nossos dias, um dos maiores poetas revolucionários, B. Brecht, formulou essa posição em termos que, sem querer, retomam a frase de Bruneau, invertendo os acentos. Ao capitalista colonial que lhe pede sacrificar-se por sua empresa, apresentada como obra civilizadora comum, o cule responde: “Nós e eu e Tu não são a mesma coisa”. O que significa: somente há “Nós” quando há comunidade autêntica. Ora, na empresa dita comum, o operário procura seu salário, o capitalista, seu lucro. A passagem da falsa situação do “Eu e Tu” para o “Nós” autêntico e consciente é a questão dos fundamentos epistemológicos da história. (...)
O pensamento dialético, ao contrário, começa com uma frase talvez extremada, mas que é quase um manifesto: a proclamação da mudança radical que acaba de operar-se no pensamento filosófico. Ao ego de Montaigne e de Descartes, Pascal responde: “o eu é detestável”; de Hegel a Marx os “outros” homens se tornam, cada vez mais, não seres que vejo e ouço, mas aqueles com os quais ajo em comum. Não se situam mais no lado objeto, mas do lado sujeito do conhecimento e da ação. O “Nós” devém assim a realidade fundamental em relação à qual o “eu” é posterior e derivado. Nos nossos dias, um dos maiores poetas revolucionários, B. Brecht, formulou essa posição em termos que, sem querer, retomam a frase de Bruneau, invertendo os acentos. Ao capitalista colonial que lhe pede sacrificar-se por sua empresa, apresentada como obra civilizadora comum, o cule responde: “Nós e eu e Tu não são a mesma coisa”. O que significa: somente há “Nós” quando há comunidade autêntica. Ora, na empresa dita comum, o operário procura seu salário, o capitalista, seu lucro. A passagem da falsa situação do “Eu e Tu” para o “Nós” autêntico e consciente é a questão dos fundamentos epistemológicos da história. (...)
O que os homens procuram na história são as transformações do sujeito da ação no relacionamento dialético homem-mundo, são as transformações da sociedade humana.
Lucien Goldmann - Ciências Humanas e Filosofia “O que é a Sociologia?” - Bertrand Brasil
1988
1988
Comentários