Pular para o conteúdo principal
Mais antiga que a linguagem é a imitação dos gestos, que acontece involuntariamente e que ainda hoje, com toda a supressão da linguagem gestual e a educação para controlar os músculos, é tão forte que não podemos ver um rosto que se altera sem que haja excitação do nosso próprio rosto (podemos observar que um bocejo simulado provoca, em quem vê, um bocejo natural). O gesto imitado reconduzia o imitador ao sentimento que expressava no rosto ou no corpo do imitado. Assim aprendemos a nos compreender; assim a criança aprende a compreender a mãe. Em geral, sensações dolorosas eram provavelmente expressas também por gestos que causavam dor (por exemplo, arrancar os cabelos, bater no peito, distorcer e retesar violentamente os músculos do rosto). Inversamente, gestos de prazer eram eles próprios prazerosos, e com isso se prestavam a comunicar o entendimento (o riso como expressão da cócega, que é prazerosa, serviu também para exprimir outras sensações prazerosas). – Tão logo as pessoas se entenderam pelos gestos, pôde nascer um simbolismo dos gestos: isto é, pudemos nos pôr de acordo acerca de uma linguagem dos signos sonoros, de modo a produzir primeiro som e gesto (ao qual o primeiro se juntava simbolicamente) e mais tarde só o som. – Nos primeiros tempos deve ter ocorrido freqüentemente o que agora sucede ante nossos olhos e ouvidos no desenvolvimento da música, notadamente a música dramática: enquanto num primeiro momento, sem dança e mímica (linguagem e gestos) explicativas, música é ruído vazio, graças a uma longa habituação a essa convivência de música e movimento o ouvido é educado para interpretar imediatamente as figuras sonoras, e por fim chega a um nível de rápida compreensão , em que já não tem necessidade do movimento visível e sem o qual entendo o compositor. Fala-se então de música absoluta, isto é, de música em que tudo é logo compreendido simbolicamente, sem qualquer ajuda.
Friederich Nietzsche - Humano demasiado humano

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Anthropophagie c´est cinema brasileiro?

Gravura tirada do livro de Hans Staden : Warhaftig Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Seria a antropofagia uma zombaria do homem que viria da cultura de cavalaria? Poderia ser. Como Darcy Ribeiro diria - o índio é um zombador. Se assim a gente concorda, pelo menos nisso, a antropofagia que Oswald teria inventado de uma cultura antiga brasileira, ou, pré-brasileira, a suposta convicção de que essa cultura seria a única forte - neste ambiente de melancolia e tristeza que quer virar Portugal, um imenso Portugal, um Império Colonial... Se assim foi, o cinema a partir do início da década de 70 teve essa "nova revisão crítica". Mais postagens virão a respeito dessa "força" antropofágica.
Jim Jarmusch em certa entrevista diz que gosta de ficcionalizar os momentos "entre acontecimentos". Vê-se isso em alguns de seus filmes. Paterson, um personagem, um poeta, um trabalhador, um marido, um amigo, vive entre um passado militar e um futuro que podemos dizer "espírito livre". Dá pra fazer uma certa analogia entre seu nome, o nome de seu condado-cidade, o nome de seu ônibus (local de trabalho entre-lugares), e uma filiação a um padrão de vida comum. Uma espécie de analogia do extremo oriente, que liga palavras e cria uma nova. Pater - Son. Pattern(padrão) - Son(filho). Sabe-se que os japoneses dizem assim de pessoas que se ligam a tal ou tal antepassado. Os antepassados de Paterson, vivido pelo grande ator Adam Drive (que realmente serviu a marinha, pelo que consta nas suas biografias rasteiras da net) seriam poetas, como Wiliam Carlos Wiliams, que tem um livro com o mesmo nome da cidade e seu "filho", o motorista. Ou como Allen Ginsberg, também d

Confissões de um homem insano o suficiente para viver com bestas

título de um texto de Charles Bukowski - texto humildemente dedicado a ele. I Era como carregar 12 quilos de carne por 100 metros viver sem poder reclamar de nada sem ser acertado com um olhar cerrado que reprova. Eu mesmo nunca pensei que pudesse conceber que o ser humano um dia chegasse a esta cidade de “coisas boas, belas, que fazem bem” – e que isso ficasse sendo a única opção que nós pudéssemos olhar e ter. Foi então que resolvi morar fora do concreto, fora da cidade, no campo, numa fazenda de um amigo. Ah, sim , lá tudo corre bem. Posso xingar o Ronaldo, o galo que insiste em cantar às 3h da manhã, sem que eu me sinta mal ao xingar. Ou até mesmo amaldiçoar o mundo, sem que um fiscal dos bons costumes queira me bater. Lá tem verde também, e isso é bom até pra os mais retardados. Que dirá pra os que não sabem se são. Fiquei por uns 30 anos. II Não estava sozinho – nem tinha família. III Sem tecnologias amarelas pelo tempo, nem barulhos irrec