
- A profecia de Cassandra -
Allen tem, nessa nova fase de produções na Grã-betanha, partido pra uma linha mais irônica que a normal. Mais trágica, também. É aquela citação constante em suas obras mais “pretensiosas”, mais cults, como A última noite de Boris Kuschensko, citando o realismo literário russo, ou A poderosa Afrodite, citando o teatro antigo da Grécia – sempre dentro do gênero da comédia, onde ele se iniciou, e onde ele domina sua maneira de trabalhar fazendo cinema.
Agora ele vai até Shakespeare, autor como Machado de Assis, na Inglaterra. Mas de Dostoiévsky a Shakespeare, a jornada não é tão longa quanto parece. E é nessa junção que a ironia de Woody Allen tem se confirmado. Neste seu último filme, Cassandra’s Dream, o sonho de adquirir um barco para velejar em alguns feriados, e a tradicional maneira de se viver da working class inglesa se transformam, para os dois jovens irmãos, no início de uma viagem moderna capitalista.
A partir do barco os dois percebem que podem muito mais do que eles achavam que podiam. É apenas o domínio de uma gama de imagens, simbologias, a possibilidade de ascensão de classe. São dois irmãos, dois personagens distintos – um ambicioso ao extremo, e pomposo no uso desse imaginário da classe alta; outro, mais ligado ao jeito mais conservado, menos malicioso, e, por isso, perdedor. Vale ressaltar que este último acaba mitificando um dos trabalhos designados aos dois.
É esse trabalho, o de matar um dos ex-funcionários do bilhonário tio por aquele “ter informações demais” a respeito do que o tio fazia na China para conseguir tal acumulação de renda. Os dois irmãos, conduzidos por esse desígnio familiar, e, principalmente, pela ambição evidente do personagem feito pelo Ian McCgregor de maneira que chega a confundir o real com o documental do filme (a pergunta que fica é se o Ian foi esnobe daquela maneira no set de filmagem, deixando muito convincente seu papel, e absurdamente intrigante essa diferença entre as duas interpretações dos irmãos).
Este trabalho não podia dar bons resultados, numa obra trágica com a “mão de deus” atuando durante o filme. Essa mão é o chamado destino guiado pelo autor da obra, no caso um autor à excelência, que é Woody Allen. O deus ex machina atua como o destino prejulgado, à maneira clássica da tragédia, e com bom tempero irônico, à maneira inglesa, e, porque não, Shakespeareana. Rimos na platéia com a desgraça dos dois irmãos que não conseguem controlar a própria ambição, e rimos das situações que a narrativa os coloca – rimos junto com o, ainda vital, Allen.
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Rui Luis Lima