Pular para o conteúdo principal

O choro de Renato Aragão

Renato Aragão foi, sem dúvidas, um dos personagens que tomou conta da imaginação brasileira. Ele apareceu muito na TV, e fez dezenas de filmes, que divertiram não só os instintos juvenis, mas também platéias de adultos e adolescentes. Ele era o nordestino do quarteto brasileiro trapalhão. Talvez pela sua comicidade “faca no bucho”, aquela seriedade sertaneja que faz rir de tão violenta, ele tenha conseguido chegar onde está. Conseguiu, como Chico Anísio, ser um dos cultuados comediantes de nossos tempos.

Mas o que terá acontecido com aquela força que víamos no líder dos Trapalhões? Será que ele só envelheceu e perdeu o costume de liderar, ou de criticar os seus pares com a tal “faca no bucho”? Esse envelhecimento do personagem trapalhão incomoda a muitos nos domingos. Mas não é esse o fato que esse texto aqui tenta trazer à tona.

O fato é que Renato Aragão, o suporte do personagem trapalhão, é hoje um grande empresário do meio midiático, e o senhor que possui um contato direto com a Unesco, órgão das nações unidas. Isso não é pouco. Ele não tem a audácia e ambição de nenhum grande empresário carioca ou paulista, mas tem a compaixão eterna de qualquer nordestino que vê a morte de perto no sertão. E é essa compaixão que o faz chorar quando é premiado, como aconteceu em Gramado há pouco tempo. O choro do Didi é um choro de auto-compaixão; é também um choro de desistência. Aqui chegamos no fato – o personagem perdeu a força crítica na medida em que supôs crescer com coalizões e entendimentos, tal como aconteceu com o PT - Partido dos Trabalhadores - , ou tal como acontece com a maioria dos brasileiros na década de 90. A força social é deixada, sob o pretexto da democracia, do diálogo, sendo que a situação pós-colonial não é deixada de lado – e muitos sertanejos (crianças mesmo) que fizeram de Renato Aragão o rico comediante, continuam numa mesma situação que há séculos não muda no país. Diríamos que a “luta” da Globo, e de Renato Aragão é de desenvolver à base do lucro e da movimentação da economia – do mesmo jeitinho que os EUA e suas empresas de comunicação (e enterteinemants). Mas, todo mundo sabe, aqui as coisas são diferentes.

Aqui o choro vêm ao final da vida, dizendo que a fraqueza individual dessa democratização demente (no sentido de “sem rapidez de pensamento”) só nos deixa sem atos, numa máquina que gira, roda, e deixa tudo como está. Claro, com devidas melhorias para uma parcela, mas com esquecimento do passado que continua no imaginário social. Esse passado que fez o Didi ser, apesar dos cariocas Mussum e Dedé – o negro da favela e o malandro que não convence, e do mineiro tímido Zacarias, aquele que passava a perna em todo mundo pra chegar ao topo. E todos rindo, aceitando, afinal de contas, ele é o carisma em pessoa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Anthropophagie c´est cinema brasileiro?

Gravura tirada do livro de Hans Staden : Warhaftig Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Seria a antropofagia uma zombaria do homem que viria da cultura de cavalaria? Poderia ser. Como Darcy Ribeiro diria - o índio é um zombador. Se assim a gente concorda, pelo menos nisso, a antropofagia que Oswald teria inventado de uma cultura antiga brasileira, ou, pré-brasileira, a suposta convicção de que essa cultura seria a única forte - neste ambiente de melancolia e tristeza que quer virar Portugal, um imenso Portugal, um Império Colonial... Se assim foi, o cinema a partir do início da década de 70 teve essa "nova revisão crítica". Mais postagens virão a respeito dessa "força" antropofágica.
Jim Jarmusch em certa entrevista diz que gosta de ficcionalizar os momentos "entre acontecimentos". Vê-se isso em alguns de seus filmes. Paterson, um personagem, um poeta, um trabalhador, um marido, um amigo, vive entre um passado militar e um futuro que podemos dizer "espírito livre". Dá pra fazer uma certa analogia entre seu nome, o nome de seu condado-cidade, o nome de seu ônibus (local de trabalho entre-lugares), e uma filiação a um padrão de vida comum. Uma espécie de analogia do extremo oriente, que liga palavras e cria uma nova. Pater - Son. Pattern(padrão) - Son(filho). Sabe-se que os japoneses dizem assim de pessoas que se ligam a tal ou tal antepassado. Os antepassados de Paterson, vivido pelo grande ator Adam Drive (que realmente serviu a marinha, pelo que consta nas suas biografias rasteiras da net) seriam poetas, como Wiliam Carlos Wiliams, que tem um livro com o mesmo nome da cidade e seu "filho", o motorista. Ou como Allen Ginsberg, também d

Confissões de um homem insano o suficiente para viver com bestas

título de um texto de Charles Bukowski - texto humildemente dedicado a ele. I Era como carregar 12 quilos de carne por 100 metros viver sem poder reclamar de nada sem ser acertado com um olhar cerrado que reprova. Eu mesmo nunca pensei que pudesse conceber que o ser humano um dia chegasse a esta cidade de “coisas boas, belas, que fazem bem” – e que isso ficasse sendo a única opção que nós pudéssemos olhar e ter. Foi então que resolvi morar fora do concreto, fora da cidade, no campo, numa fazenda de um amigo. Ah, sim , lá tudo corre bem. Posso xingar o Ronaldo, o galo que insiste em cantar às 3h da manhã, sem que eu me sinta mal ao xingar. Ou até mesmo amaldiçoar o mundo, sem que um fiscal dos bons costumes queira me bater. Lá tem verde também, e isso é bom até pra os mais retardados. Que dirá pra os que não sabem se são. Fiquei por uns 30 anos. II Não estava sozinho – nem tinha família. III Sem tecnologias amarelas pelo tempo, nem barulhos irrec