Pular para o conteúdo principal

A Fita Branca - Michael Haneke - 2009

O que aparenta, em uma pequena aldeia, não é. Essa pequena aldeia, no longo tratado sociológico e artístico (porque não há uma palavra que una a lógica e a arte? arriscaria algo como... artilógico) de Michael Haneke, é uma condensação do que acontece em qualquer meio social. Ainda que o narrador da história, o personagem do professor da aldeia, diga logo no início do filme que aquilo que ele está para narrar pode ser mentira, todos se vêem no impasse de acreditar naquilo que ele nos conduz pela sua amarração de argumentos. Fato é, que, Fita Branca passa longe de uma ingenuidade, de uma observação distante, de um olhar fatídico, tal como qualquer análise etnográfica faria. O filme é uma arte de perceber as entrelinhas de um agrupamento humano.

E se lembrarmos que, não por gratuidade, não vemos um documentário, entramos na imensidão ficcional, na mente abismal criadora de um cineasta, que consegue nos convencer com sua precisão que o cinema ainda passa realidade - na época do exagero dela. O absurdo próprio do cinema contemporâneo, o seu caráter onírico, ainda chega no pesadelo sem muito esforço, quando se fala de uma realidade. Entretanto, na realidade histórica que vemos, uma fábula não chega a incitar terror.

Terror é o gênero dos pesadelos. Mas, na vertente comercial do gênero, algo de brincadeira de criança e de contos infantis. Algo que não existe no filme A Fita Branca - nele está o peso e a austeridade adulta de uma tradição cultural. Nada de folclore, nada de felicidade, nada de festa em uma estrutura patriarcal provinciana. As crianças, mentes criativas, apesar de cruéis, percebem tal opressão, tal terror inerente à província, e como na linha de revoluções a la Zero de Conduta (Jean Vigo), que passa por If... (Lindsay Anderson), iniciam suas traquinagens aos olhos dos desatentos e ávidos por serial killers.

Assim são os espectadores em geral - sádicos por um thriler, por descobrirem a verdade. E quando a descobrem, em um filme tão cru como A Fita Branca, desistem de procurá-la porque já sabiam dela. Encarar uma espécie de natureza maldosa do ser humano é difícil para a espécie que se julga dona do mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Anthropophagie c´est cinema brasileiro?

Gravura tirada do livro de Hans Staden : Warhaftig Historia und beschreibung eyner Landtschafft der Wilden Seria a antropofagia uma zombaria do homem que viria da cultura de cavalaria? Poderia ser. Como Darcy Ribeiro diria - o índio é um zombador. Se assim a gente concorda, pelo menos nisso, a antropofagia que Oswald teria inventado de uma cultura antiga brasileira, ou, pré-brasileira, a suposta convicção de que essa cultura seria a única forte - neste ambiente de melancolia e tristeza que quer virar Portugal, um imenso Portugal, um Império Colonial... Se assim foi, o cinema a partir do início da década de 70 teve essa "nova revisão crítica". Mais postagens virão a respeito dessa "força" antropofágica.

Confissões de um homem insano o suficiente para viver com bestas

título de um texto de Charles Bukowski - texto humildemente dedicado a ele. I Era como carregar 12 quilos de carne por 100 metros viver sem poder reclamar de nada sem ser acertado com um olhar cerrado que reprova. Eu mesmo nunca pensei que pudesse conceber que o ser humano um dia chegasse a esta cidade de “coisas boas, belas, que fazem bem” – e que isso ficasse sendo a única opção que nós pudéssemos olhar e ter. Foi então que resolvi morar fora do concreto, fora da cidade, no campo, numa fazenda de um amigo. Ah, sim , lá tudo corre bem. Posso xingar o Ronaldo, o galo que insiste em cantar às 3h da manhã, sem que eu me sinta mal ao xingar. Ou até mesmo amaldiçoar o mundo, sem que um fiscal dos bons costumes queira me bater. Lá tem verde também, e isso é bom até pra os mais retardados. Que dirá pra os que não sabem se são. Fiquei por uns 30 anos. II Não estava sozinho – nem tinha família. III Sem tecnologias amarelas pelo tempo, nem barulhos irrec

Meu mundo em perigo – José Eduardo Belmonte

Num ambiente de cinema que preza pelo preciosismo do maquinário e do ideal de uma retomada meio futurista (sem nada ter a ver com uma aproximação da vanguarda que teve esse nome), meio tupiniquim sem fronteiras, meio natureza global de Meireles, ou de um lado de Salles, a ordem é “senta e vê como estamos andando”. A passos curtos na história (e na História) e na narrativa, e a passos largos no posicionamento de um cinema bem estruturado. Mesmo que historicamente, ou em estruturas narrativas. O problema desse cinema da pós-retomada, ou do cinema da retomada tardio, é não entrar na História – sem fazer histórias e sem entrar no cotidiano real do que anda acontecendo conosco hoje em dia. Em Meu Mundo em Perigo (2009) existe um real, que com a ajuda de Mário Bortolotto se conseguiu chegar, com a fantasia necessária de uma política bem armada com uma psicologia dramática dos diálogos. Longe de um filme que queira atingir muitas platéias cheias de cinema – afinal, cinema hoje não quer mais d