Opressões de gênero à parte por enquanto, a contemplação do sexo como voyeurismo parte do princípio de que há espectadores no cinema que gostam de ver nossa espécie copulando. O que não gostariam tanto, talvez, de ver uma tese esquisita sobre Bach, um rápido ensaio sobre Edgard Allan Poe, citações diretas e pedagógicas sobre pescaria em rios nórdicos, e, quem sabe, sobre a prostituição "por opção" de um caso doentio em uma sociedade que não concebe o sexo como algo, ainda, fora de tabus.
Lars Von Trier é conhecido por ser rígido em método de filmagem. Bom para o cinema atual. Sua fama é de ser "polêmico". Nada que chegue próximo de um Carlos Reygadas, ou de um Sérgio Bianchi (pra citar um dos nossos). Lars prefere, em Nynphomaniac, partir duma comédia cotidiana. Cômico, sim, mas não sem uma certa acidez que corta crenças em quem assiste. Apesar do roteiro aparentemente ter sido mutilado - e há quem diga que pela produção, outros pela falta de cuidado do diretor - , pois o que qualquer um percebe é que não há razão, a não ser comercial, para dois episódios da narrativa, o filme consegue deter a atenção por uma espécie de progressão da personagem feminina.
Suspense? Talvez. Erotismo? Certeza. Sensacionalismo? Nem tanto. Provocação? Sim. Gratuidade? hum... Nymp()maniac não entra em assuntos do teor de Melancolia, O Anticristo, Dogville, Os idiotas, etc. A "política" não ganha corpo. E o corpo, seus afetos são também o princípio da política pós-moderna. Uma personagem feminina que se liberta do que prende suas "inclinações" sexuais, por gosto ou por violação do próprio corpo, não diz quase nada em sua predisposição de relacionar-se com homens para maltratá-los. Usar o masculino. É libertação a distinção radical do gênero?
Agora voltando à opressão entre homens e mulheres. No que vemos (e aqui não está minha opinião sobre o assunto, pois não posso ser isento ao falar sobre essa desigualdade por não ser "autoridade", "pesquisador", ou, melhor, por não ter neutralidade alguma no que posso expressar), o feminino, ao libertar-se através do sexo - fórmula que não é nova - , acaba se colocando no lugar de uma vítima da sociedade. Ao envelhecer, arrepende-se, e aí vem o chamado de Dreyer na culpa quase cristã de ter-se apostado errado na vida, no que seu último "algoz" tenta veementemente dissuadi-la. Aliás, toda a perspectiva do filme é masculina. Os olhos de quem ouve a história da personagem é deste algoz, homem mais velho, porém voyeur, que se interessa nos contos sádicos por uma questão literária, talvez histórica, mas não política.
Enfim, libertar-se pelo corpo através do sexo, pelo filme cômico (que nos faz rir em certas situações), não problematiza a libertação de um espectro que um dia se chamou de "alma". Porque este espectro é hoje social, e a mulher, alheia, alienada, distante da dominação, ainda que esperta e alerta à luta contra seu opressor, vitimizando-se como um tipo de animal - que gosta de ser vitimizada pelos algozes também animais - , está longe de uma reflexão sobre seu papel nas relações não sexuais. Ela quer "sobreviver" através dos homens. E todos eles, em seu contato sexual. Cruel?
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