Entrevista feita com o filosofo Paulo Arantes à revista da Adusp (clique aqui e leia a integral em pdf)
1998
Adusp - Faz sentido discutir
atualmente direita e esquerda?
Paulo Arantes - Vou começar fazendo uma brincadeira quanto a essa distinção supostamente sepultada, enterrada, entre direita e esquerda. Eu não queria falar desse indivíduo, mas o próprio professor Cardoso (Fernando Henrique Cardoso), nosso presidente da República, volta e meia dá entrevista para dizer que ele é de esquerda. Diz: “A esquerda não é a esquerda, eu é que sou de esquerda”, veja só! Então, mesmo do ponto de vista semântico, histórico, esse vocabulário que está correndo por aí ainda serve para discriminar mesmo, inclusive contra a esquerda feita pelo próprio presidente quando diz: “Eu sou de esquerda e você...”, “A esquerda é conservadora, é atrasada, não é de esquerda”. Esquerda está significando, nessa linguagem oficial, progressiva. Esse progressismo se coloca a favor das forças produtivas mundiais, desencadeando de maneira fantástica a revolução microeletrônica e assim por diante. Então, esquerda começa a virar sinônimo de determinismo tecnológico, de terceira revolução industrial. Isso é confusionismo do presidente. Não de caso pensado, porque acho que é espontâneo, e acredito que, sinceramente, ele se considera de esquerda. Então, continua havendo essa distinção e no caso dele, no caso desse novo establishment, está operando aquela coalizão conservadora que é o novo regime. Todos eles, quase sem exceção, vieram da esquerda e continuam raciocinando em termos de esquerda. Portanto, acho que há uma grande insensatez e uma falta de clarividência total nessa história. Ele (FHC) não é neoliberal. Neoliberal é o Roberto Campos, que sempre foi liberal mas em momentos históricos estratégicos deixou de ser liberal e foi desenvolvimentista.
Eles são muito pragmáticos e flexíveis em questão ideológica. No caso, ele (FHC) não é neoliberal. Ele raciocina em termos de desenvolvimento, de classes sociais, de economia, e assim por diante. É toda a forma mental da nossa tradição progressista.
Adusp - Defina essa nova esquerda.
Paulo Arantes - O presidente diz que é de esquerda, é a favor do progresso, da fabricação de automóveis, de microcomputadores e assim por diante. Ser de esquerda é isso; num certo sentido, para esse novo pensamento estabelecido e quase que oficial de estar prestando um serviço extraordinário. Para a nossa direita convencional, isso caiu do céu. Ser de esquerda significa ser a favor daquilo que existe de progressista no sentido histórico do termo do capitalismo novo contra o capitalismo velho. Então, as grandes centrais sindicais, todos os movimentos populares fazem parte do capitalismo velho e quem é de esquerda deve estar do lado do capitalismo novo, como Marx n’O Manifesto. É claro que estou brincando. Isso tudo se trata de uma comédia ideológica. Fora dessa comédia, é preciso perguntar: por que se tem essa impressão de que não existe mais diferença entre esquerda e direita? Porque a economia se transformou em algo autônomo em relação à sociedade e essa “autonomização” do econômico faz com que o tema seja tratado como se fosse uma segunda natureza. Não se pode governar e, portanto, tem que se ajustar. E todo mundo, diante disso, se ajusta de maneira igual porque ela é soberana, ela é irregulável, ela é uma força cega que se tornou independente da regulação política, do controle social. Do ponto de vista ideológico, das convicções de valores, de justiça, de igualdade, de liberdade, todo esse palavrório que teve substância, agora já não tem mais. Independentemente disso, se você chegar lá, vai fazer a mesma coisa, senão os mercados financeiros internacionais sancionam qualquer desvio e você está morto. Portanto, é uma questão de sobrevivência, dada essa “autonomização” das forças econômicas que se desencadearam de maneira endoidecida, ensandecida. Baseada nesta independentização do econômico, todo mundo está no mesmo barco e não tem muita alternativa a não ser se ajustar e se adaptar. Tem-se a impressão de que os outros fazem a mesma política do Balladier, de um Chirac, e o Schroeder vai fazer a mesma do Kohl, e o Blair vai fazer a mesma da Margareth Thatcher, o Clinton, a mesma do Bush, e quem vier depois de FHC vai fazer a mesma coisa. Se for o Lula, ou mesmo um outro, o Ciro (Ciro Gomes) por exemplo, vai fazer a mesma coisa. Estamos diante de um bicho que se chama economia, mercado internacional, economia mundializada. E diante do qual pouco resta a fazer, a não ser se adaptar. E todo mundo se confunde.
Adusp - Qual, então, é a agenda
da direita?
Paulo Arantes – Estabilidade monetária, abertura comercial e desregulamentação dos mercados. Isso permite ganhar eleição e, é claro, competitividade da economia nacional e redução do “Custo Brasil”, que é um custo social. Então você tem essa agenda que todo mundo reconhece que é da classe dominante. Só que a classe dominante está subordinando o suposto interesse dos cidadãos da República à meta da estabilidade monetária. Dizem eles: “Você aí com a sua reivindicação salarial, com essa mania de seguridade social, está prejudicando o valor agregado daquilo que transita pelo Brasil. Então corta um pouquinho em nome da competitividade, que é um desiderato nacional sem o que o país quebra. Com inflação, desorganiza novamente a economia brasileira e vocês serão penalizados”. Trata-se de chantagem. O pensamento de direita é esse pensamento que discrimina a população no sentido de reconhecer, recortar, como um fato natural, que dois terços da população estão se encaminhando para a insolvência. Ou seja, não são mais rentáveis, tornaram-se um peso econômico. Isto é direita. Não se tem notícia em lugar nenhum do mundo que “flexibilização” do mercado de trabalho gera emprego. Se fosse assim, por que franceses, alemães, italianos, espanhóis e ingleses não encontraram a “fórmula mágica” até agora?
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