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Hegemonia da esquerda?

Lula não foi ao debate, mas seu fantasma rondava pelo estúdio da Rede Globo. É a rede de Tv que mais tem audiência. E até já temos na história debates nessa emissora como a edição famosa na qual o Lula, em 89, havia sido prejudicado.

Em 89 Cristóvam Buarque e Heloísa Helena, candidatos hoje, eram do PT. Vejam que três presidenciáveis vieram do PT, e os três estão no baluarte da esquerda atualmente. No salão da rede globo víamos a esquerda brasileira quase que totalmente sendo representada. Uma farsa, uma falácia imagética, na verdade ouvíamos as palavras revolução doce, socialismo como tijolos de um discurso fraco, ainda na rebordosa do partido criado em fins da década de 70, depois das greves do ABC.

Digo falácia por dois motivos: primeiro não se entende mais o que é esquerda ou qualquer peso, força que essa palavra já teve; segundo, ser de esquerda é um tipo de moda jovial, com calças jeans e revolucionários que amam o caos da liberdade algo que veio de maio de 68, e se inverte completamente de sentido porque é acoplado a um viés liberal (sob o pseudônimo de neoliberalismo).

Não vimos uma esquerda no debate, na verdade. Não a esquerda nostálgica que de alguma maneira seguia o leninismo, nem mesmo marxismo. E não foi por causa da ausência do neo-coronel da política, mas mais por causa da fraqueza intelectual do pensamento atual. Se fala muito da derrota, da queda do muro, da falta de perspectivas, das inúmeras perdas e violências contra a classe trabalhadora. Não se leva em conta que o trabalho hoje entra em crise não produz mais classe, porque desagrega dentro do informalismo da auto-gestão, em ONGs e entidades viciadas no dinheiro público. Psicologicamente não se coligam por classe, mas por interesses capitalistas. E em se falando no capitalismo, em capitalizar movimentos, em transformar em mercadoria tudo o que deve existir, e fazer existir somente mercadorias, nada de novo na luta. Isso é algo que atinge até o movimentar de dedos de quem vos escreve força motriz maior, inevitável hoje. Mas o que não é inevitável é aceitar isso como condição natural.

O que vemos é os políticos de esquerda caírem nessa última falsa-inevitabilidade. Na falsa propaganda das propagandas, em que a ética aparece como embasamento, argila do edifício político. Mas é a ética individual, da família, da casa, da moral e dos bons costumes, do desenvolvimento interior, da pedagogia do oprimido, do pobre sem poder, daquele que deve se emancipar de uma condição imposta por algo transcendente que já se insistiu um dia em nomear de condição histórica. Nesse emaranhado de desinformações os signos se perdem na história atual, no que podemos contar, narrar hoje.

Lula é símbolo, não é presidente. Ele se apóia em um arquétipo getulista, esse mesmo que Cristóvam tentou de segurar (sua aparência lembra o presidente golpista que caminhou da direita pra esquerda), mas Lula (que foi no sentido contrário) já havia tomado toda a simbologia do pai da nação. Lula é um signo que tem como significado o Partido dos Trabalhadores o lugar dos trabalhadores.

Neste lugar ele tem mais força que nosso antigo fascista. Portanto, podemos precipitadamente chegar à conclusão de que ele é um fascista também, assim como foi Getúlio. Mas é esse o ponto, pois hoje não há mais o contexto do fascismo de Getúlio. Há uma democracia reinante aos moldes do Império norte americano que é sutilmente adequada em todos os países que se subjugam àquela nação. Uma democracia da maioria marginalizada uma democracia herdada da revolução soviética, com ares de esquerda reformista. Lula é um signo, um fantasma, ele não está na cadeira que vemos na rede globo. Mas ainda sim tem muito mais poder que todos ali juntos (talvez um pouco mais que o apresentador William Bonner).

Ele é bem pior que Getúlio Vargas, bem mais negligente. Irresponsável, como falou mais de 6 vezes Heloísa Helena, candidata do PSOL. Já o inteligente Cristóvam Buarque, do PDT, quis ressuscitar Brizola e o antropólogo que via na educação a revolução do Brasil, Darcy Ribeiro.

Heloísa Helena e Cristóvam Buarque

Os dois foram expulsos, ainda que em ocasiões diferentes, do PT. Os dois lá estavam representando uma esquerda falida, que não sabe pra onde atira ou vai, fraca, a reboque desse partido Cristóvam perspicaz, que tentava movimentar o debate atual pra propostas viáveis, e Heloísa a raiva de setores radicais...

Trabalhista era Getúlio, era Brizola, e são esses homens que vêm do PT. Heloísa, mulher, é a católica moralista, uma pudica beata que grita com a voz de uma pobre que vê os males sociais, e vê somente no Lula e seu antigo nicho, hoje todos vistos como traidores, o mal personificado. Ela evoca o radicalismo desenfreado do desespero. Este que nos leva cada vez mais a acreditar que um anarquismo caótico, que inclusive não se diz anarquista (mais realista hoje que em tempos de Max Stirner e Nietzsche), é uma via mais livre de pensamento político. E mais liberdade ao pensamento é que a esquerda precisa, pra se livrar dos estereótipos citados, malfadados, em ruínas, fracos, sem credibilidade, míseros personagens sem lugar na peça encenada.

Diante desse cenário, só faltava FHC voltar a falar que é de esquerda e levar Geraldo, o homem do povo, a seu lado. Ou seja: a esquerda estava toda na globo, ontem. Quer mentira maior? Espetáculo mais convincente? E o pior é que acredito que exista alguém nesse fim de mundo aqui que acredite em um ganho ao ver uma hegemonia da esquerda no debate. E ao ouvir socialismo e revolução sair das bocas dos candidatos de esquerda.

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