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O "novo" tipo de artista



Afinal de contas, quem são os artistas do mundo hoje, do cinema – aqueles artistas que lidam com a imagem, o som, o tempo, com a arquitetura, com, simplesmente, TUDO o que a arte lida? São heróis do tempo e imagens virtuais – nas quais o imaginário envolve completamente o que se produz. Já vi Keith Richards falar que pega as notas no ar pra criar riffs de guitarras como em “Satisfaction”. Na verdade isso era muito comum acontecer com a investida absurda, em todos os sentidos, dos trabalhadores surreais da arte.

Nada seria o mesmo quando Salvador Dali, Picasso, Monet, Duchamp, Klein e outros mais malucos se colocaram na frente do que se chamou de vanguarda (avant garde). O sonho era a realidade, e Descartes mesmo já havia dado a partida pra esse pensamento – completamente contrário ao seu cartesiano. O real virava o “sobre o real”, “acima do real”, o surreal( sur real). Já que sonhamos, existe algo rondando por aí, no espectro sonoro e imagético – e nós de vez em quando captamos isso. Se percebermos isso da maneira como uma pessoa se caracteriza para agir e produzir na sociedade moderna que Walter Benjamin percebeu. Estamos em uma nova compreensão de sociedade.

Quem são, portanto, os heróis? Seria o autor como Kafka, ou como Van Gogh, os mais póstumos? Ou os mais ativos, ativistas, os que mudam tudo aquilo que tocam enquanto estão vivos, como Sartre? Começou então. O intelectual chamado de jornalista por Heidegger usava seus óculos e lia incessantemente – um francês típico, um artista e filósofo que se inseria da maneira mais contundente na sociedade.

No entanto, lá no tempo de Sartre a universidade ainda citava mobilizações sociais e críticas para uma modificação das estruturas de um sistema bastante opressor e tradicionalista. Nada como uma revolução de pensamento pra chamar a mudança de comportamentos.

Passou-se então toda a revolta, a violência, a acidez e ironia dos críticos, e entramos na era do trabalhador. Sartre já dera um mote pra essa era – ele produzia feito um louco, escrevia como ninguém, além de perder a visão lendo. Era o militante da produção, e por isso os óculos. Ele trabalhava com os olhos, e mostrava isso pra quem duvidasse. Seu rosto dava o indício. Na nossa era de trabalho quase imposto, alguns entram e se dão muito bem sendo estes que se sentem donos do que fazem especificamente.

A nova era, a new age, a... a falta de resistência... Toda essa coisa de hoje em dia sem nenhum misticismo aparente nos criou um novo tipo. O tipo do artista contemporâneo.

O tipo

Óculos, timidez, pessoas que não se expressam de maneira clara, são trabalhadores que não gritam nunca, e não sentem vento nos cabelos curtos. Eles pensam muito, são aqueles que vivem pelo seu trabalho, que se usam apenas o necessário para demonstrar sua capacidade de domínio das técnicas artísticas.

São pessoas hoje poderossíssimas, são ricos, são os que criam aquilo que entra na imaginação das pessoas normais. São pessoas que arquitetam o absoluto, que vão nos limites do visível e,
percebendo o sonho do mundo real, aquela esfera cheia de informações à nossa disposição, manipulam aquilo que podem para passar sua maestria aprendida em manuais.

Os artistas são neuróticos, se passam por despercebidos e débeis para convencer, eles são inteligentíssimos mas não se expressam como tal. Em algumas passagens até se colocam como perdedores, como “losers”. Eles convencem sendo assim dessa maneira tão tímida? Sim, pois expressam, como Sartre, que não são virtuosos e mistificadores, mas apenas um trabalhador, apenas mais um dentro dessa “aldeia democrática”. Nada de criticar, porque eles bem sabem até onde vai esse campo do pensamento – hoje não existe lugar pra uma autoria, para algo acima do real, a não ser que seja maquiada.

Estamos, então, dentro dessa maquiagem de autor débil, de autor provinciano e que parece conservador. Mas eles estão, talvez sem querer, ditando a estética contemporânea com essa calma e debilidade. E se enchem de dinheiro, sem avisar para os distraídos.


Fotos:

Sartre; Spielberg; Bill Gates; Irmãos Cohen; Woody Allen; Tim Burton; Wes Anderson; Jean Luc Godard

Comentários

tatiana hora disse…
todos eles de óculos!

mas artista sempre teve fama de neurótico, revolucionário ou cínico.

seja um cara que cortou a própria orelha ou seja um cara inseguro com as mulheres e que vive no analista.

às vezes é só pose.

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