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4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias - Cristian Mungiu

Em pleno debate completamente alheio à sociedade, com mobilizações tanto que beiram ao feminismo de um lado, à insanidade religiosa do outro, o tema "aborto" deixa a população brasileira sem saber o que dizer à respeito da ciência e da gênese gnosiológica. Só pra constar: este não é o tema do filme de Cristian Mungiu. O tema seria algo como "o atraso mental" de certos posicionamentos políticos.

Afinal, ser a favor ou contra o aborto é um posicionamento político. Hoje muito mais, no mundo globalizado. 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias evidencia o que é para a mulher comum lidar com o aborto. Nada mais que hipocrisia considerar que, tanto as drogas quanto o aborto são passíveis de crime. Ambos são usados pela sociedade, e ambos são auto-dilacerações, suicídio (num uso extremo). O caso do aborto quer impôr à discussão a vida que haveria no feto, ou mesmo no embrião. O engraçado é que ninguém se pergunta sobre a vida de animais que se comem à mesa - seria um assassinato diferente?

O caso, então, é excluir do debate essa manipulação retórica de "assassinato". A criminalização sempre põe em risco, agora sim, a vida de pessoas comuns. No filme de Mungiu, bem simples em forma, mas extremamente cuidadoso em conteúdo, sabemos o peso de uma decisão que é marginalizada ao extremo. E vemos também os resquícios do tradicionalismo stalinista dessa criminalização, na Romênia.

No Brasil ainda falta um filme, ou um cinema (numa acepção mais ampla)que trate destes assuntos polêmicos, mas fundamentais.

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