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Alga Doce - Andrej Wajda

O misto de um gênero documentário com a ficção vem de muito tempo - e se renova mais a cada dia. Mas muito tempo mesmo, já que o teatro é, quase em sua essência, essa mistura. Se a realidade influencia na ficção do ecrã, tal como um dia o teatro influenciou, então cinema e teatro não possuem distinções claras. Um erro pensar assim.

Cinema é uma história, mas também uma História. O espectador de cinema é como o de TV, só que mais atento, afinal pagou para perder aproximadamente 2 horas de sua vida na frente de um telão. Lá naquele buraco, naquela caverna escura, o espectador visualiza um mundo presente, levado pela narrativa e pela crença fundamental de que o que ele assiste ali se passa como se estivesse passando pela primeira vez. O "ao vivo" da TV surge com essa credibilidade que tem a impressão de realidade.

Alga Doce, último filme de Andrej Wadja, mistura realidade e realidade criada. Mas o misto é sem problematizações maiores. Ali, quem assiste pensa: estou vendo um filme mesmo, ele está sendo criado aqui na minha frente, estou vendo ele ser criado. Ilusão, como qualquer fantasia narrativa, de qualquer forma. O documentário, pois, é também ilusão.

O importante do filme é esse mecanismo de iludir que o cinema, e contar histórias só pode se dar dessa maneira, tem desde que quis se tornar arte narrativa. Vejamos o teatro: os atores, o palco, a cenografia, o andamento, os atos, tudo está no cinema mais hollywoodiano. O documentário, ou, o cinema verdade teria chegado como estética nova para dar fôlego a essa herança "maldita" que engessaria o cinema. No entanto, mesmo o documentário, ou a impressão de realidade entraria neste esquema do espetáculo teatral.

A história do pós-guerra, portanto, é a história que não parece ser bem contada, ou é difícil de ser conduzida - tal como uma história de morte de alguém próximo que se ama. Não só porque com as guerras do início do século passado (e as que acontecem hoje fora da mídia, no Oriente Médio), muitos parentes, maridos, amigos são mortos nas ruas. Mas porque a guerra, ou as guerras, estão fora de nosso canto imaginário onde guardamos o terror. O cinema mesmo fez isso: guerra, morte, violência, tudo é espetáculo - tudo é aceitável, é visto, faz parte do show.

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