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Sobre o que se pode tirar de “I am the Walrus” (John Lennon)

Grande parte do que vou escrever aqui é especulação. No entanto, grande parte também vai ter sua ligação com algo que já foi dito e escrito. Sobre os Beatles, filhos do proletário inglês que escolheram a criatividade como maneira de demonstrar um lirismo revolucionário comum na época do pós-guerra,a era extremista, romântica, surrealista, da juventude crítica às tradições imperialistas e dominadoras. Proletário do centro de um império cultural que continua sendo forte hoje. Centro não só capitalista, portanto.

A música “I am the Walrus” é a primeira de John Lennon no disco lançado na ocasião do filme Magical Mystery Tour. Filme colorido, mas exibido em preto e branco na TV. Um fracasso, ainda que tenha emplacado 3 números 1 na lista de hits do “fab four”. Fracasso na ocasião, também, de uma comitiva grande de artistas que escolhiam, àquele momento de industrialização da cultura, a opção de criar obras populares com harmonias simples, para não taxarmos de pobres. A lição do blues e folk era adaptada ao main stream, com a potência rock n´ roll publicitária. Aliás, a publicidade era inventada tanto com grandes artistas endossados pela opinião pública, os consumidores, que corriam para comprar as novidades lançadas por Kubrick, Antonioni, Beatles, Rolling Stones, e até mesmo Godard. A discussão estava avançada – e, a tempo, dizemos que ela retrocedeu. Beatles eram um grupo de jovens inventores de padrões da indústria, sem mesmo que soubessem desse seu caráter, e o levasse para um nível às vezes místico, bem comum a quem se perde na velocidade e loucura da modernidade.

Magical Mystery Tour é um disco, portanto, de singles.  O grupo andava em crise, George Harrison voltava da Índia, encontrava sua personalidade crítica ao ocidentalismo. E, apesar disso, Paul MacCartney continuava nas rococós músicas tradicionais inglesas – como The Fool on the Hill, vendo o sol se pôr, e o mundo rodar, sendo bobo e besta, tomando os reincidentes chás das 18h. Ele diria, na época, que já havia tomado LSD, chocando a mídia e as famílias provincianas anglo-saxãs. Mas isso não mudaria muita coisa de sua música. A música de seus parceiros, George e John, sim, mudariam.

John diria que o Walrus era Paul em Glass Onion. Em que pese essa afirmação, não importa quem é o Walrus – isso é o relevante. Em Blue Jay Way, Harrison daria a deixa para o que realmente importava, além da criatividade. A ideia era não demorar (Don´t be long), naquela alegria, naquela morgação, felicidade de um baseado da onda Hippie que vinha de L. A. . Há muitos policiais a se conhecer nas ruas, que contradizem essa alegria.

Walrus , a morsa, era a música de John que, julgando Sgt. Peppers, incluía o sonho, ou artifícios oníricos na melodia. O quê, por exemplo? O mais importante na ordem do que se entende da letra: a falta de sentido aparente das palavras, tirando a lírica da poesia e tornando-a mais objetiva e clara paradoxalmente em sua criação constante e dialógica. Enfim, o surrealismo tinha como atitude se retirar da sala de estar do realismo, ou, da realidade instituída. Se palavras como Eggman, Walrus, Pigs, Dogs, significavam, fora da abstração surreal, forças metafóricas. São personagens da música, enfim, que vivem na animalidade de um mundo ao estilo de Alice no País das Maravilhas (a Inglaterra é esse país? Creio que como centro do império, é alegoria londrina de todas as outras metrópoles). Ele, aquele que canta, fala diretamente para quem ouve a música – nos chama de boy, man, é óbvia a enunciação direta do discurso a quem está ali apreciando a canção. E quem canta, chora (I´m crying...), não por acaso.

A primeira frase da canção: “I am he as you are he as you are me and we are all together” é da aliteração simbolista, alternando foneticamente a expressão de uma boca aberta e fechada: "Ai am re as iou ar re as iou ar me and ue ar au”, dando uma atmosfera de ida e vinda bêbada, entorpecida, de quem ouve uma sirene alta ali nos jardins das praças públicas. Sirene que é materializada em um outro personagem do conflito entre o aberto e fechado, no labirinto dos significados, que são os “plicemans”. A polícia, ou os please men (os pedintes, ou os que agradam). O aberto e fechado da sirene é também melódico da voz de John que se alterna entre Mi e Mi bemol, dando a dissonância necessária para uma expressão que flutua hiperbolicamente.

Os policiais, como os “pigs” from a gun, porcos que voam fazendo o improvável acontecer, não aparecem numa paranóia própria de quem se vê perseguido. Pelo contrário, a polícia é, como em Blue Jay Way, uma pessoa (figura) que convive ali ao lado do movimento jovem – observando de uma maneira que parece ser da surpresa. Ao fim de tudo, prevalece o sonho, e não o pesadelo de uma tormenta de insurreições da década de 60. Mas seria por pouco tempo. As corporations t-shirts, os naughty boys eram os eggmen de verdade. Aí saberíamos porque quem cantava , também chorava tanto e tão sublime no refrão.



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