Haveria quem dissesse que o sarcasmo dos filmes de Sérgio Bianchi pesam
na mão, perdem um pouco a medida, transbordam com um ódio destilado pela
“câmera-faca”. Mas e a velha procura pela realidade, não pode ganhar esse tom?
O cinema brasileiro que tanto prezou por algum tempo em seu novo cinema – que,
mesmo distante da maldição da ironia e sadismo em seu início, já demonstrava o
que havia de falho nos discursos oficiais sobre o que se chamou por muito tempo
de “Brasil” - , é ele um motivo ideológico impulsionado pelos seus diretores? E
a morbidez do cinema chamado MARGINAL, em São Paulo? Contra a adoção da
indústria carioca da Rede Globo? Não trariam, estes contextos algo a mais na
discussão sobre a ideologia no cinema?
Impossível juntar ideologia e desbunde. Essa impossibilidade é vista em
“Jogo das Decapitações”, de Bianchi. Ele mesmo parece propôr essa
impossibilidade de diálogo desde seu principiante “Maldita Coincidência”(1973),
este que se exibe em trechos também no filme atual. A proposta de chocar não
está somente na polêmica, portanto. Usando dois sentidos que não conseguem
olhar um para o outro a não ser com irritação, Bianchi assume sua
inevitabilidade (inevitável - o que não se pode tolher porque é vivo) como artista contemporâneo e autor: aquela de não se acomodar
com a situação que se chama “real” de hoje em dia.
A realidade mata os sonhos, matou a utopia da primeira década pós 1968
pelo mundo, matou também as intenções de gerações que propunham ali naquele
tempo uma afinada discussão sobre os problemas e discursos mal arranjados do
Brasil. Essa realidade é a que a arte tentaria sobrepor, contrapor. Mesmo em
manifestos, ou em tonalidade declaratória de “não estou nem aí para o que se
convence ser a realidade política atual”, os filmes de Bianchi solfejam um
subdesenvolvimento que nunca pareceu sair da quase estrutural desavença de
classes no país. Mas o que desafina está lá também. Uma esquerda vinda de uma
classe media que assume as rédeas do que se impõe como real hoje, é também uma
classe dominante que abomina o que se intitulou e se intitula de “marginal”.
E se estes marginais
fossem a maioria de pessoas que sempre tentaram conviver com a classe média
(mesmo a de esquerda) que vive no poder e na posição de dominação nas asas da elite histórica? E se o
diálogo fosse mesmo o da conciliação de classes, determinado pela histórica submissão
– e não subversão? Perguntas que o filme ironiza na questão de classes indeterminada, e constrangida pelo uso do Estado e do dinheiro público por aí.
A ser lançada no Brasil, a película (em digital) de Bianchi traz o ator Sérgio Mamberti como dois personagens icônicos e contraditórios, algo que merece
talvez um olhar mais aberto do espectador. Primeiro, um jovem terrorista em
“Maldita Coincidência”, depois um senador da esquerda (ou ex-querda) brasileira
no “Jogo das Decapitações”. Obviamente o ator não compartilha diretamente
posicionamentos de seus personagens, porém, a distância entre a performance dos
anos 70 para os anos 10 manifesta-se abismal. Outro choque, entre o passado e o
presente, desbunde e ideologia – que também insere a autoria de Sérgio sob o nome de Jairo, marginal,
interpretado pelo velho Paulo César Peréio.
Entre os choques de blocos (passado e presente, marginais e esquerda,
classe media e excluídos, arte e realidade, etc.) Bianchi escolhe seu lado. Não
faz parte dos que acreditam em um burocratismo da esquerda petista no governo, e não acredita,
como se vê nas entrelinhas de seus filmes, no "discurso pelo discurso", ou "arte pela arte". No uso da
miséria. Na capitalização da pobreza. A proposta também não está em achar um
novo discurso. Se, num país “Cronicamente inviável”, alguém ainda procura
solução imediata, súbita, engana-se piamente após perceber-se inundado por
cabeças decapitadas em motins de presídio, em um lixo na praça da Sé, em um eco
das guilhontinas revolucionárias em forma de paródia… A razão aqui ainda paira entre as classes que
insistem na conciliação, e não na pressão e tensão. Isso é vivo, nos filmes
desse diretor paranaense, também classe media, paulistano.
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