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Star Wars: The Force Awakens

Star Wars – saga épica contra o império
Aviso: ler apenas após assistir ao filme
George Lucas em American Graffiti
O fenômeno de vendas do século passado, década de 1970, após a revolução cultural da juventude mundial – associada constantemente a maio de 1968 -, foi, e ainda é Star Wars. Naquela época de lançamento do filme era um contexto de Guerra Fria, portanto, também, de algo que eparecia ser um tipo de ideologia ultrapassada que havia assassinado uma utopia que em outros dias também tinha sido de uma juventude Russa: o comunismo totalitário. Em Star Wars, IV, V e VI, a Guerra é contra um império controlado por um ditador com capa negra, quase robô, mas que, por força do melodrama, seria pai do grande herói da saga: Luke Skywalker.
Passam os anos 1980, 1990 e a força de venda desse produto (sim, porque cinema não poderia ser um produto?) só vem se confirmar. Agora, como propunha a história quase sem fim de George Lucas (que, provavelmente teria algo na família, mais que no nome, de uma consciência de classe luckacsiana) ela se expressa como um mito.
A Guerra nas Estrelas foi executada também pela seguinte fórmula:
 - Um filme B de ficção científica que possui por trás da trama um melodrama familiar, e na sua frente uma rasa vestimenta política.
A partir dessa ideia, centenas de outros pormenores, tais como figurinos, direção de atores, paisagens, arte, edição de sons, criações diversas viriam configurar a saga com adereços claros dos gêneros citados. Ela, esta saga, vendeu, muito, muito mesmo, e mudou a história do cinema não por acaso. Mas parecia um tiro no escuro, naquela década pós-68. Assistam aos filmes de George Lucas, THX 1138 e American Graffiti e percebam de onde tudo o que se vê em Star Wars teria nascido. O chute daria certo porque filmes B nos EUA também já teriam sua fama em certa medida num submundo que cresceria com a crise geral dos estúdios. Já era “cult” gostar do pastiche.

Star Wars em digital
Já nos anos 2000, Lucas volta a produzir e dirigir os 3 primeiros filmes da saga, que relatariam o início de tudo: a história de Anakin, o ditador, pai de Luke. Os filmes não vingariam tanto, mas venderiam também da mesma forma: expondo o nascimento do mito. A política por trás da história ganha a frente, e percebe-se que a construção do Império não teria somente aquela associação com o universo soviético, a ideologia do mal em Hollywood, contra a rebelião dos liberais republicanos. A cooptação de Anakin pelas forças conspiratórias contra a república das galáxias, através de uma espécie de bruxo (entramos aqui em algo que a saga lida diretamente: os arquétipos), o Senador Palpatine, ou, para os mais chegados, Darth Sidious, seria por uma espécie de fraqueza. Esta debilitação resume-se em:
- O herói que viria de um planeta pobre (tatooine), que também não teria família, e estaria prestes a ganhar filhos com uma princesa, não agüenta a pressão de ser um forte feiticeiro-guerreiro, e sucumbe ao lado negro da força para conhecer melhor até onde seus poderes poderiam ir.
De feiticeiro-guerreiro ele passa, então, a um tipo de governante autoritário. Tudo iria abaixo com a revelação de que seus filhos, Léia e Luke, não concordam com o totalitarismo.

A Força Acorda (2015)
Chegamos à metade da década de 2010, e a saga, transformada talvez em franquia, agora traz novamente à cena q ficção científica em sabor melodrama. O estranhamento é geral, pois o filme impressiona pela violência. 
Só que, se o grande imperador autoritário, no início (ou meio) da saga era um pai de família meio atordoado pelo poder... Agora, a força negra (dark side), do mal, dos sith, demônio, sei lá o que mais, atordoa quem? Um nerd adolescente. Um fã dos filmes antigos da saga. Fã maior, claro, de Darth Vader – avô do personagem com aspirações a dominação do universo. Isso talvez pareça não dizer muito, mas confirma algo que muitos hoje percebem com certo receio de se assumir: uma volta do fascismo como “ideologia” nos mais jovens.
A juventude, portanto, que um dia seria contestadora e tomaria os poderes do cinema, revolvendo os problemas de inserção de classe, de um olhar que modificasse a sociedade absurdamente tradicionalista – e comandada pelos “pais de família” - , uma grande parte dessa juventude de 68, também associada aos personagens Hans Solo, Lea e Luke, volta justamente por conta dessa ameaça fascista. Essa juventude estaria “velha” para a "juventude do mal".
Curiosamente o rapaz em cena que adere ao lado negro da força, representante dessa juventude atual (parte dela, claro), é filho de Hans Solo, personagem mais carismático da saga. O jovem, em sua insanidade pelo poder, mata esse representante familiar da geração da liberdade – mesmo que seja ela próxima do liberalismo mais light americano, com Harrison Ford adotando o espírito deste contexto. Hans, este herói meio adjunto, coadjuvante do jedi, não casou com Léa - mas teve um filho, este que se rebela contra o bem. Não sabemos ao todo a história do novo Darth Vader, porém, já sabemos que ele luta contra as minorias (um revoltado ex-escravo e soldado negro, uma quase jedi mulher), e que ele conhece o grande chefe dos Sith.
Este novo guerreiro do lado negro da força é contra o pai, uma rememoração de um Édipo político às avessas, pois Hans não passa de um contrabandista, não tem nada que interesse ao jovem ambicioso. Hans é, como todos sabem, inofensivo.
Mas tudo está invertido. O império, na verdade, pode ser também a guerra dos EUA dos republicanos: aqueles contra tudo e todos em países mais ao oriente. Em contrapartida, os resistentes, não estão no poder. Parecem não querer isso. Não se sabe o que vem acontecer pela frente...
O mito Star Wars foi estruturado também, fora da diegese narrativa, através de uma fórmula que pode se resumir a:
- Um grupo de jovens cineastas que tomavam o poder de Hollywood através das vendas. Mas, evidentemente, estes jovens cineastas de universidades norte-americanas eram também pessoas extremamente competentes, e a analogia com o grupo de empresários que também tomariam a dianteira do poder de Wall Street muito tempo depois, encabeçados pelos “heróis reais” Steve Jobs (Apple, Macintosh) e o multimilionário Bill Gates (Microsoft, Windows) não parece ser forçada. Tanto Coppola quanto Spielberg ou Lucas tinham em mente algo que os velhos tradicionais que tomavam conta dos bureaus da produção executiva norte-americana não tinham.
Esperemos os novos episódios para entender a força intuitiva dessa franquia universal, pois não existe algum fenômeno no cinema pop atual (algo que também já parece velho) tão influente nas juventudes de 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010. É, afinal, um filme que põe como tema a política de uma maneira lisérgica. Algo pode ser retirado deste sonho.



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